Nos dias 06 e 07 de junho, de 08h30 às 17h, a Defensoria Publica da
União (DPU) no Rio de Janeiro recebeu o I
Seminário Estadual de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e
Catadores de Materiais Recicláveis do Rio de Janeiro – Contexto e propostas
de enfrentamento às violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro. O evento
foi promovido pelo Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (CNDDH) e
contou com a participação de mais 200 pessoas na plateia.
“É preciso mostrar à população em situação de rua e fazer com que ela entenda que a Defensoria Pública é realmente a casa de todos que necessitam e buscam acesso à Justiça.”
De
acordo com o defensor público federal Renan Vinícius Sotto Mayor, membro do
Grupo de Trabalho (GT) População em Situação de Rua, da DPU, foi um evento
histórico. “É a primeira vez que a DPU/RJ tem um evento com tantas pessoas em
situação de rua e profissionais que trabalham com esta população, reunidos em
sua sede, debatendo esse tema tão fundamental, principalmente para a Defensoria
Pública, que tem como missão constitucional levar acesso à justiça aos
necessitados”, disse o defensor. “Este evento também tem a importância de
incentivar uma real aproximação, no sentido de que a população em situação de
rua possa efetivamente acessar, cada vez mais, a Defensoria Pública; possa entender
que a Defensoria Pública é realmente a casa de todos que necessitam e buscam
acesso à Justiça”, afirmou Renan. O defensor disse ainda que o seminário foi “um
momento de algo fundamental na construção da política pública” e informou, ter
sido um dos principais encaminhamentos, a sugestão de que o município do Rio de
Janeiro venha a aderir à Política Nacional de População em Situação de Rua.
“Atualmente, tudo o que é sobre população de rua é encaminhado para a Saúde e a Assistência e não pode ser assim. Devemos ir além, pensando em outras gestões conjugadas.”
Renata
Souza, coordenadora do Núcleo estadual do Centro Nacional de Defesa dos
Direitos Humanos (CNDDH) da População em Situação de Rua (PSR) e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CMR) do Rio de
Janeiro, explica como se daria essa adesão a que se refere Renan. “O Decreto
7.053, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua,
fala tanto do Centro de Defesa, do qual faço parte, quanto sobre o Comitê, que
deve atuar nos três níveis: nacional, estadual e municipal. Este Comitê fala
sobre a atuação de várias secretarias, como a de Urbanismo, a de Segurança Pública,
de Habitação, de Saúde, de Assistência Social, todas reunidas para pensar então
a população em situação de rua como uma questão complexa e que, como tal, exige
soluções complexas e o diálogo com vários setores da sociedade e da gestão
pública”, avaliou. “Estamos nessa luta e nessa organização para que esse Comitê
seja assinado, uma vez que, para que tenha efetividade, é necessário que haja a
adesão à Política Nacional. Então, temos dois encaminhamentos principais: que o
município e o estado do Rio de Janeiro façam a adesão à Politica Nacional, a
partir da formação do Comitê Intersetorial, para pensarmos então em sair da Assistência
Social, que está sobrecarregada. Atualmente, tudo o que é sobre população de
rua é encaminhado para a Saúde e a Assistência e não pode ser assim. Devemos ir
além, pensando em outras gestões conjugadas”, afirmou Renata.
Para
a coordenadora estadual do CNDDH, “hoje, a categoria ‘população em situação de
rua’ não é apenas ‘politicamente correta’ por se afastar de estereótipos
pejorativos como ‘o mendigo’, ‘o vagabundo’, ‘o pedinte’, essas imagens que
estão associadas à imagem da pessoa que mora na rua, mas também à formação de
um sujeito político, que vem, já de muito tempo, se organizando no País, através,
por exemplo, do Movimento Nacional de População em Situação de Rua, hoje, uma
organização muito importante, que se articula em vários estados do país, também
tendo núcleo no Rio de Janeiro, e vem aí na luta pela garantia de direitos e
por uma política que pense não só na assistência social, mas que pense de uma
forma intersetorial; que se pense como um sujeito de direitos, uma vez que,
quem está na rua está por diversas situações contingenciais”, esclarece. Renata
lembra que, junto à população em situação de rua, “temos também os catadores de
materiais recicláveis, que surgem deste movimento, que são trabalhadores que se
organizam em cooperativas e também possuem o seu Movimento Nacional de
Catadores de Materiais Recicláveis”.
Renata
considera que “esse evento foi um momento de pensar políticas para esses dois
setores em nível do estado do Rio de Janeiro, da importância desses dois
segmentos para o Rio de Janeiro”. Segundo ela, existe uma política de
sustentabilidade voltada para o meio ambiente com os catadores, através da Política
Nacional de Resíduos Sólidos. “Foram inúmeras as falas trazidas a este
respeito, no sentido de se pensar na reciclagem e na inclusão a partir do
mercado de trabalho que os catadores vêm trazendo. Outra pauta muito importante
que trouxemos foi a questão da habitação para a população em situação de rua.
Não devemos pensar só na assistência, mas pensar na garantia de direitos através
da habitação”, afirmou.
“A lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos impõe a contratação das cooperativas. No Rio de Janeiro, temos a legislação, temos o plano, mas, de concreto, temos muito pouco. Precisamos avançar.”
Segundo
o defensor público federal Cláudio Luiz dos Santos, membro do GT População em
Situação de Rua e coordenador do GT Catadoras e Catadores, “há um déficit
nacional entre o comando da Política Nacional de Resíduos Sólidos e aquilo que
acontece na prática em relação à inclusão social e emancipação econômica das
associações e cooperativas de catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis. Isso se deve a alguns fatores. Um dos mais importantes, para mim,
é a dificuldade e a complexidade desse contrato, que exige uma corresponsabilidade
do poder público com a contratada – cooperativa ou associação de catadores –
por razões óbvias. São pessoas que sairiam de uma economia quase que informal
para um contrato administrativo com o poder público. Evidentemente, que, além
disso, existem interesses de ordem, talvez econômica, financeira mesmo, do
próprio poder público, quando contrata com uma sociedade empresária, que eles
simplesmente fazem o pagamento e cobram o serviço. Um outro ponto, que acho que
deve ser registrado, é que a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos impõe
sim a contratação das cooperativas e associações onde elas naturalmente atuam
e, quanto a isso, no estado do Rio de Janeiro, nós temos a legislação, temos o
plano, mas, de concreto, temos muito pouco. Muito pouco mesmo. Precisamos
avançar”, afirmou o defensor.
“A instalação de um Comitê Intersetorial é demanda já antiga e que ainda não foi atendida. (...) Em relação aos catadores, o poder público precisa reconhecer o papel insubstituível deles, inclusive nas questões ambientais.”
A
defensora pública estadual Carla Beatriz Nunes Maia destacou que a Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro faz parte do Conselho Gestor do CNDDH. “Pra
mim, é duplamente importante porque, além de já trabalhar com pessoas em
situação de rua, estou iniciando um trabalho com catadores de materiais
recicláveis”, disse ela sobre o evento. “É um espaço onde as pessoas estão conhecendo
os trabalhos das instituições comprometidas com essa demanda, as violações, a
falta de políticas públicas e, mais uma vez, a gente bate na mesma tecla em
relação à população em situação de rua e à necessidade da instalação de um Comitê
Intersetorial. Essa demanda já é antiga e, infelizmente, o município ainda não
instalou esse Comitê, em que pese a Defensoria já ter participado de algumas
reuniões com a secretária atual de Assistência Social, Dra. Teresa Bergher, mas
isso não foi à frente”, afirmou. “Em relação aos catadores, foi uma
oportunidade de eu conhecer melhor o trabalho do Cláudio, que é defensor
federal, já faz um trabalho com esse segmento há muitos anos e essa aproximação
está sendo muito importante. A gente agora está em vias de tentar um encontro
com representantes importantes. O objetivo é trazer os grandes geradores de
lixo para o nosso lado; conseguir que a captação dos resíduos dos grandes
geradores vá para as cooperativas dos catadores. A grande saída aí é o poder
público reconhecer o papel insubstituível dos catadores, inclusive nas questões
ambientais”, concluiu a defensora.
“Não podemos cruzar os braços frente a tantas violações de direitos humanos que temos na nossa cidade, no nosso estado.”
Segundo
o vereador Reimont Otoni, membro da Comissão Permanente da População em
Situação de Rua da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, “a Defensoria Pública da
União, quando acolhe esse seminário do Centro Nacional de Defesa dos Direitos
Humanos e cooperativas de catadores de materiais recicláveis, o que ela está
fazendo, mais do que ceder o local, é dizer que está junto nessa luta. Isso é
de uma riqueza, pra nós, muito grande. Estabelecer esse mapa, essa cartografia
da população em situação de rua do Rio de Janeiro, e os diversos processos
pelos quais já passamos, nos dá uma responsabilidade, nos dá uma tarefa, nos dá,
na verdade, esse envolvimento responsável pra gente dizer que não pode cruzar
os braços frente a tantas violações de direitos humanos que temos na nossa
cidade, no nosso estado”, disse o parlamentar, que considera o seminário um
marco. “É uma história que a gente está construindo. Seja no nível do Poder Legislativo,
onde atuo como vereador, seja da Defensoria Pública da União, seja da
Defensoria Pública do Estado, dos movimentos sociais, do Fórum de População em Situação
de Rua, dos grupos de assistentes sociais... São diversos movimentos, que hoje
estão aqui reunidos, pra dizer: olha, nós todos estamos preocupados; esse tema
é nosso”, afirmou. “Na Câmara, a gente está produzindo um projeto de lei, que
atualiza ou, de certa forma, organiza, equaciona o decreto presidencial de
2009, do presidente Lula, para política municipal. Aquilo que o decreto pede, o
nosso projeto municipal também pede, que é a instituição de um Comitê Gestor Intersetorial,
onde as diversas secretarias estejam presentes. Não dá pra gente conceber que a
Secretaria de Assistência dará conta da política. Ela tem que se encontrar,
debater, conversar, dialogar com as secretarias de Educação, de Cultura, de
Saúde, de Emprego e Renda, de Esporte e Lazer, de Habitação etc. etc. Então,
esta é uma luta que a gente está abraçado nela e que ninguém nos tira”, disse o
vereador.
“A pessoa existe. Ela tem que ter algum lugar. Ela tem que ter um lugar pra ela viver. (...) O que nós queremos são cidades inclusivas, cidades onde todos tenham seu espaço, onde todos possam melhorar e todos possam viver com dignidade. (...) Temos que reconhecer a população de rua como um grupo que tem um potencial social muito grande. Eles são profissionais, muitas vezes, e que perderam a capacidade de trabalhar por “n” motivos e as políticas públicas têm que dar respostas.”
Para
Cristina Bove, coordenadora nacional do CNDDH da PSR e dos CMR (Pastoral
Nacional do Povo da Rua/ Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB), “em
primeiro lugar, a gente tem que reconhecer a importante parceria da DPU, que
está participando deste evento, inclusive cedendo espaço, e participando
ativamente do trabalho, sobretudo, dessa defesa da promoção dos direitos da população
de rua. É uma população invisível, que sofre preconceitos historicamente e que
realmente precisa de um olhar diferenciado porque é um público portador de
sofrimentos e de violações permanentes”. Cristina destaca a importância do
evento e o que se pretende com sua realização. “Na verdade, o que se busca, o
que se quer promover é a dignidade, a defesa dos direitos, tirar esse público
dessa invisibilidade social em que ele vive e promover realmente garantia de
direitos. A gente percebeu, durante esses dois dias em que estamos aqui, - e
não é diferente em outros estados - como que, no Rio de Janeiro, ainda há um
longo caminho a ser feito. As políticas públicas ainda estão muito distantes
das demandas que a população de rua tem”, afirma. Na opinião da coordenadora nacional
do CNDDH, em geral, discute-se muito as questões da população de em situação de
rua, a partir da Segurança Pública, o que está errado. “A gente não pode
esquecer que eles também são detentores de segurança. Eles são cidadãos. Eles
têm direito a ter Segurança Pública pra eles”, explica.
“Nós
temos que discutir a questão da habitação. Essas pessoas vivem sem privacidade
nenhuma... Como você pode superar uma situação de rua, como que você pode fazer
um tratamento de saúde, como você pode acessar um trabalho, se você não tem
garantia de habitação? Nós sabemos que, em todos os albergues, todos os
abrigos, acolhimentos institucionais, existem preconceitos. São serviços
precarizados, que não respondem à realidade dessa população e às demandas que
ela tem”, disse Cristina. “Também se denunciou muito aqui a situação da
Segurança Presente. Tem que se discutir essa questão da Segurança Presente
porque essa segurança também tem que ser para o povo, tem que ser ofertada a
eles. Eles não podem ser retirados violentamente dos locais, sem que se oferte nada.
A pessoa existe. Ela tem que ter algum lugar. Ela tem que ter um lugar pra ela
viver. Que lugar é ofertado? Que lugar é oferecido? Então, o que acho que deve
ser feito é um verdadeiro reordenamento da cidade. Repensar a cidade, a partir
de todos. O que nós queremos são cidades inclusivas, cidades onde todos tenham
seu espaço, onde todos possam melhorar e todos possam viver com dignidade. É
isso o que a gente busca, o que a gente quer. Nós temos que reconhecer a
população de rua como um grupo que tem um potencial social muito grande. Eles
são profissionais, muitas vezes, e que perderam a capacidade de trabalhar por
“n” motivos e a assistência social, enfim, as políticas públicas têm que dar
respostas”, conclui Cristina.
No
Seminário, foi criada uma comissão Pró-Comitê, formada pelo Conselho Regional
de Psicologia, pela Defensoria Pública da União, pela Defensoria Pública do Estado
do Rio de Janeiro, pelo Fórum Permanente sobre a População Adulta em Situação
de Rua, pelo Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em
Situação de Rua e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH) – núcleo
estadual, pelo Movimento Nacional de População em Situação de Rua, pelo Movimento
Nacional de Catadores e pela Subsecretaria de Direitos Humanos do Município do
Rio de Janeiro.
Alimento para o corpo e para a alma
Além de participar dos debates, nos dois dias, os presentes puderam
alimentar o corpo, através de almoço oferecido pela organização do Seminário, e
também a alma, graças às apresentações do coral Uma Só Voz – formado por pessoas que já passaram ou ainda estão em
situação de rua, que trouxe música, arte, poesia e esperança para engrandecer
ainda mais o evento.
Para ver o álbum de fotos do Seminário, clique aqui.
Sobre a Política
Nacional para a População em Situação de Rua
(Decreto 7.053, de 23/12/2009)
A
Política Nacional para a População em Situação de Rua foi instituída pelo
Decreto 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Por meio dela, a população em
situação de rua foi incluída no Cadastro Único a partir de 2010, o que
facilitou seu acesso a serviços de saúde mesmo sem comprovante de residência
(Portaria nº 940, de 28 de abril de 2011).
Sobre o Centro
Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos
Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH)
O
CNDDH foi criado a partir da Política Nacional para a População em Situação de
Rua, com o objetivo de promover e proteger os direitos da população em situação
de rua e catadores de material reciclável. Foi constituído como um espaço de
ação política, direcionado a assegurar a promoção e a defesa dos direitos
humanos desses dois grupos populacionais, em face de todas as formas de
violência pessoal e social a que estão submetidos em razão da sua precária
condição de vida nas cidades brasileiras. Atende casos de violação de direitos
humanos, contribui para o acesso à justiça e promove capacitações para a sua
rede. Possibilitou a sua priorização no Programa Minha Casa, Minha Vida (Portaria
nº 412, de 06/08/2015); regulamentou-se o funcionamento dos Consultórios na Rua
(Portaria nº 122, de 25/01/2012); criou a modalidade Pronatec Pop Rua, com
turmas exclusivas e metodologia adaptada à realidade e necessidade desse
público; construiu parceria para a execução de projetos de fomento à economia
solidária, como estratégia de inclusão socioeconômica e de autonomia da
população em situação de rua; dentre outras conquistas. Instituído por meio do
Ministério dos Direitos Humanos, o CNDDH é executado em parceria com a
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) e a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Sobre o Comitê Gestor
Municipal Intersetorial
A Política Nacional
da Pessoa em Situação de Rua trouxe diretrizes para discussão e avaliação desse
cenário de interesse de toda a sociedade. Um dos principais mecanismos
previstos foi a criação de um Comitê Gestor Municipal Intersetorial, com
atuação de todas as áreas (Educação, Saúde, Habitação etc.), destinado à
elaboração de planos de ação, especificando metas, objetivos e
responsabilidades. Através desse Comitê, será possível disponibilizar programas
de qualificação profissional para as pessoas em situação de rua, bem como o
acesso ao mercado de trabalho, aos benefícios previdenciários e assistenciais e
aos programas de transferência de renda, na forma da legislação específica. Várias
capitais brasileiras (Rio Branco/AC, Maceió/AL, Porto Alegre/RS, Vitória/ES,
Belo Horizonte/MG, Salvador/BA, São Paulo/SP e outras) já contam com esse tipo
de serviço. No Rio de Janeiro, o Comitê ainda não foi criado.