13 de junho de 2017

Seminário debate problemas e busca soluções para pessoas em situação de rua e catadores de materiais recicláveis


Nos dias 06 e 07 de junho, de 08h30 às 17h, a Defensoria Publica da União (DPU) no Rio de Janeiro recebeu o I Seminário Estadual de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis do Rio de Janeiro – Contexto e propostas de enfrentamento às violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro. O evento foi promovido pelo Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (CNDDH) e contou com a participação de mais 200 pessoas na plateia.


“É preciso mostrar à população em situação de rua e fazer com que ela entenda que a Defensoria Pública é realmente a casa de todos que necessitam e buscam acesso à Justiça.”



De acordo com o defensor público federal Renan Vinícius Sotto Mayor, membro do Grupo de Trabalho (GT) População em Situação de Rua, da DPU, foi um evento histórico. “É a primeira vez que a DPU/RJ tem um evento com tantas pessoas em situação de rua e profissionais que trabalham com esta população, reunidos em sua sede, debatendo esse tema tão fundamental, principalmente para a Defensoria Pública, que tem como missão constitucional levar acesso à justiça aos necessitados”, disse o defensor. “Este evento também tem a importância de incentivar uma real aproximação, no sentido de que a população em situação de rua possa efetivamente acessar, cada vez mais, a Defensoria Pública; possa entender que a Defensoria Pública é realmente a casa de todos que necessitam e buscam acesso à Justiça”, afirmou Renan. O defensor disse ainda que o seminário foi “um momento de algo fundamental na construção da política pública” e informou, ter sido um dos principais encaminhamentos, a sugestão de que o município do Rio de Janeiro venha a aderir à Política Nacional de População em Situação de Rua. 

“Atualmente, tudo o que é sobre população de rua é encaminhado para a Saúde e a Assistência e não pode ser assim. Devemos ir além, pensando em outras gestões conjugadas.”



Renata Souza, coordenadora do Núcleo estadual do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (CNDDH) da População em Situação de Rua (PSR) e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CMR) do Rio de Janeiro, explica como se daria essa adesão a que se refere Renan. “O Decreto 7.053, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua, fala tanto do Centro de Defesa, do qual faço parte, quanto sobre o Comitê, que deve atuar nos três níveis: nacional, estadual e municipal. Este Comitê fala sobre a atuação de várias secretarias, como a de Urbanismo, a de Segurança Pública, de Habitação, de Saúde, de Assistência Social, todas reunidas para pensar então a população em situação de rua como uma questão complexa e que, como tal, exige soluções complexas e o diálogo com vários setores da sociedade e da gestão pública”, avaliou. “Estamos nessa luta e nessa organização para que esse Comitê seja assinado, uma vez que, para que tenha efetividade, é necessário que haja a adesão à Política Nacional. Então, temos dois encaminhamentos principais: que o município e o estado do Rio de Janeiro façam a adesão à Politica Nacional, a partir da formação do Comitê Intersetorial, para pensarmos então em sair da Assistência Social, que está sobrecarregada. Atualmente, tudo o que é sobre população de rua é encaminhado para a Saúde e a Assistência e não pode ser assim. Devemos ir além, pensando em outras gestões conjugadas”, afirmou Renata.  

Para a coordenadora estadual do CNDDH, “hoje, a categoria ‘população em situação de rua’ não é apenas ‘politicamente correta’ por se afastar de estereótipos pejorativos como ‘o mendigo’, ‘o vagabundo’, ‘o pedinte’, essas imagens que estão associadas à imagem da pessoa que mora na rua, mas também à formação de um sujeito político, que vem, já de muito tempo, se organizando no País, através, por exemplo, do Movimento Nacional de População em Situação de Rua, hoje, uma organização muito importante, que se articula em vários estados do país, também tendo núcleo no Rio de Janeiro, e vem aí na luta pela garantia de direitos e por uma política que pense não só na assistência social, mas que pense de uma forma intersetorial; que se pense como um sujeito de direitos, uma vez que, quem está na rua está por diversas situações contingenciais”, esclarece. Renata lembra que, junto à população em situação de rua, “temos também os catadores de materiais recicláveis, que surgem deste movimento, que são trabalhadores que se organizam em cooperativas e também possuem o seu Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis”.

Renata considera que “esse evento foi um momento de pensar políticas para esses dois setores em nível do estado do Rio de Janeiro, da importância desses dois segmentos para o Rio de Janeiro”. Segundo ela, existe uma política de sustentabilidade voltada para o meio ambiente com os catadores, através da Política Nacional de Resíduos Sólidos. “Foram inúmeras as falas trazidas a este respeito, no sentido de se pensar na reciclagem e na inclusão a partir do mercado de trabalho que os catadores vêm trazendo. Outra pauta muito importante que trouxemos foi a questão da habitação para a população em situação de rua. Não devemos pensar só na assistência, mas pensar na garantia de direitos através da habitação”, afirmou. 

“A lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos impõe a contratação das cooperativas. No Rio de Janeiro, temos a legislação, temos o plano, mas, de concreto, temos muito pouco. Precisamos avançar.”



Segundo o defensor público federal Cláudio Luiz dos Santos, membro do GT População em Situação de Rua e coordenador do GT Catadoras e Catadores, “há um déficit nacional entre o comando da Política Nacional de Resíduos Sólidos e aquilo que acontece na prática em relação à inclusão social e emancipação econômica das associações e cooperativas de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. Isso se deve a alguns fatores. Um dos mais importantes, para mim, é a dificuldade e a complexidade desse contrato, que exige uma corresponsabilidade do poder público com a contratada – cooperativa ou associação de catadores – por razões óbvias. São pessoas que sairiam de uma economia quase que informal para um contrato administrativo com o poder público. Evidentemente, que, além disso, existem interesses de ordem, talvez econômica, financeira mesmo, do próprio poder público, quando contrata com uma sociedade empresária, que eles simplesmente fazem o pagamento e cobram o serviço. Um outro ponto, que acho que deve ser registrado, é que a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos impõe sim a contratação das cooperativas e associações onde elas naturalmente atuam e, quanto a isso, no estado do Rio de Janeiro, nós temos a legislação, temos o plano, mas, de concreto, temos muito pouco. Muito pouco mesmo. Precisamos avançar”, afirmou o defensor. 

“A instalação de um Comitê Intersetorial é demanda já antiga e que ainda não foi atendida. (...) Em relação aos catadores, o poder público precisa reconhecer o papel insubstituível deles, inclusive nas questões ambientais.”



A defensora pública estadual Carla Beatriz Nunes Maia destacou que a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro faz parte do Conselho Gestor do CNDDH. “Pra mim, é duplamente importante porque, além de já trabalhar com pessoas em situação de rua, estou iniciando um trabalho com catadores de materiais recicláveis”, disse ela sobre o evento. “É um espaço onde as pessoas estão conhecendo os trabalhos das instituições comprometidas com essa demanda, as violações, a falta de políticas públicas e, mais uma vez, a gente bate na mesma tecla em relação à população em situação de rua e à necessidade da instalação de um Comitê Intersetorial. Essa demanda já é antiga e, infelizmente, o município ainda não instalou esse Comitê, em que pese a Defensoria já ter participado de algumas reuniões com a secretária atual de Assistência Social, Dra. Teresa Bergher, mas isso não foi à frente”, afirmou. “Em relação aos catadores, foi uma oportunidade de eu conhecer melhor o trabalho do Cláudio, que é defensor federal, já faz um trabalho com esse segmento há muitos anos e essa aproximação está sendo muito importante. A gente agora está em vias de tentar um encontro com representantes importantes. O objetivo é trazer os grandes geradores de lixo para o nosso lado; conseguir que a captação dos resíduos dos grandes geradores vá para as cooperativas dos catadores. A grande saída aí é o poder público reconhecer o papel insubstituível dos catadores, inclusive nas questões ambientais”, concluiu a defensora. 

“Não podemos cruzar os braços frente a tantas violações de direitos humanos que temos na nossa cidade, no nosso estado.”



Segundo o vereador Reimont Otoni, membro da Comissão Permanente da População em Situação de Rua da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, “a Defensoria Pública da União, quando acolhe esse seminário do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos e cooperativas de catadores de materiais recicláveis, o que ela está fazendo, mais do que ceder o local, é dizer que está junto nessa luta. Isso é de uma riqueza, pra nós, muito grande. Estabelecer esse mapa, essa cartografia da população em situação de rua do Rio de Janeiro, e os diversos processos pelos quais já passamos, nos dá uma responsabilidade, nos dá uma tarefa, nos dá, na verdade, esse envolvimento responsável pra gente dizer que não pode cruzar os braços frente a tantas violações de direitos humanos que temos na nossa cidade, no nosso estado”, disse o parlamentar, que considera o seminário um marco. “É uma história que a gente está construindo. Seja no nível do Poder Legislativo, onde atuo como vereador, seja da Defensoria Pública da União, seja da Defensoria Pública do Estado, dos movimentos sociais, do Fórum de População em Situação de Rua, dos grupos de assistentes sociais... São diversos movimentos, que hoje estão aqui reunidos, pra dizer: olha, nós todos estamos preocupados; esse tema é nosso”, afirmou. “Na Câmara, a gente está produzindo um projeto de lei, que atualiza ou, de certa forma, organiza, equaciona o decreto presidencial de 2009, do presidente Lula, para política municipal. Aquilo que o decreto pede, o nosso projeto municipal também pede, que é a instituição de um Comitê Gestor Intersetorial, onde as diversas secretarias estejam presentes. Não dá pra gente conceber que a Secretaria de Assistência dará conta da política. Ela tem que se encontrar, debater, conversar, dialogar com as secretarias de Educação, de Cultura, de Saúde, de Emprego e Renda, de Esporte e Lazer, de Habitação etc. etc. Então, esta é uma luta que a gente está abraçado nela e que ninguém nos tira”, disse o vereador. 

“A pessoa existe. Ela tem que ter algum lugar. Ela tem que ter um lugar pra ela viver. (...) O que nós queremos são cidades inclusivas, cidades onde todos tenham seu espaço, onde todos possam melhorar e todos possam viver com dignidade. (...) Temos que reconhecer a população de rua como um grupo que tem um potencial social muito grande. Eles são profissionais, muitas vezes, e que perderam a capacidade de trabalhar por “n” motivos e as políticas públicas têm que dar respostas.”



Para Cristina Bove, coordenadora nacional do CNDDH da PSR e dos CMR (Pastoral Nacional do Povo da Rua/ Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB), “em primeiro lugar, a gente tem que reconhecer a importante parceria da DPU, que está participando deste evento, inclusive cedendo espaço, e participando ativamente do trabalho, sobretudo, dessa defesa da promoção dos direitos da população de rua. É uma população invisível, que sofre preconceitos historicamente e que realmente precisa de um olhar diferenciado porque é um público portador de sofrimentos e de violações permanentes”. Cristina destaca a importância do evento e o que se pretende com sua realização. “Na verdade, o que se busca, o que se quer promover é a dignidade, a defesa dos direitos, tirar esse público dessa invisibilidade social em que ele vive e promover realmente garantia de direitos. A gente percebeu, durante esses dois dias em que estamos aqui, - e não é diferente em outros estados - como que, no Rio de Janeiro, ainda há um longo caminho a ser feito. As políticas públicas ainda estão muito distantes das demandas que a população de rua tem”, afirma. Na opinião da coordenadora nacional do CNDDH, em geral, discute-se muito as questões da população de em situação de rua, a partir da Segurança Pública, o que está errado. “A gente não pode esquecer que eles também são detentores de segurança. Eles são cidadãos. Eles têm direito a ter Segurança Pública pra eles”, explica.

“Nós temos que discutir a questão da habitação. Essas pessoas vivem sem privacidade nenhuma... Como você pode superar uma situação de rua, como que você pode fazer um tratamento de saúde, como você pode acessar um trabalho, se você não tem garantia de habitação? Nós sabemos que, em todos os albergues, todos os abrigos, acolhimentos institucionais, existem preconceitos. São serviços precarizados, que não respondem à realidade dessa população e às demandas que ela tem”, disse Cristina. “Também se denunciou muito aqui a situação da Segurança Presente. Tem que se discutir essa questão da Segurança Presente porque essa segurança também tem que ser para o povo, tem que ser ofertada a eles. Eles não podem ser retirados violentamente dos locais, sem que se oferte nada. A pessoa existe. Ela tem que ter algum lugar. Ela tem que ter um lugar pra ela viver. Que lugar é ofertado? Que lugar é oferecido? Então, o que acho que deve ser feito é um verdadeiro reordenamento da cidade. Repensar a cidade, a partir de todos. O que nós queremos são cidades inclusivas, cidades onde todos tenham seu espaço, onde todos possam melhorar e todos possam viver com dignidade. É isso o que a gente busca, o que a gente quer. Nós temos que reconhecer a população de rua como um grupo que tem um potencial social muito grande. Eles são profissionais, muitas vezes, e que perderam a capacidade de trabalhar por “n” motivos e a assistência social, enfim, as políticas públicas têm que dar respostas”, conclui Cristina.      

No Seminário, foi criada uma comissão Pró-Comitê, formada pelo Conselho Regional de Psicologia, pela Defensoria Pública da União, pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, pelo Fórum Permanente sobre a População Adulta em Situação de Rua, pelo Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH) – núcleo estadual, pelo Movimento Nacional de População em Situação de Rua, pelo Movimento Nacional de Catadores e pela Subsecretaria de Direitos Humanos do Município do Rio de Janeiro.

Alimento para o corpo e para a alma



Além de participar dos debates, nos dois dias, os presentes puderam alimentar o corpo, através de almoço oferecido pela organização do Seminário, e também a alma, graças às apresentações do coral Uma Só Voz – formado por pessoas que já passaram ou ainda estão em situação de rua, que trouxe música, arte, poesia e esperança para engrandecer ainda mais o evento.


Para assistir e se emocionar com o coral Uma Só Voz, clique aqui. 

Para ver o álbum de fotos do Seminário, clique aqui.

Sobre a Política Nacional para a População em Situação de Rua
(Decreto 7.053, de 23/12/2009)

A Política Nacional para a População em Situação de Rua foi instituída pelo Decreto 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Por meio dela, a população em situação de rua foi incluída no Cadastro Único a partir de 2010, o que facilitou seu acesso a serviços de saúde mesmo sem comprovante de residência (Portaria nº 940, de 28 de abril de 2011). 

Sobre o Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH)

O CNDDH foi criado a partir da Política Nacional para a População em Situação de Rua, com o objetivo de promover e proteger os direitos da população em situação de rua e catadores de material reciclável. Foi constituído como um espaço de ação política, direcionado a assegurar a promoção e a defesa dos direitos humanos desses dois grupos populacionais, em face de todas as formas de violência pessoal e social a que estão submetidos em razão da sua precária condição de vida nas cidades brasileiras. Atende casos de violação de direitos humanos, contribui para o acesso à justiça e promove capacitações para a sua rede. Possibilitou a sua priorização no Programa Minha Casa, Minha Vida (Portaria nº 412, de 06/08/2015); regulamentou-se o funcionamento dos Consultórios na Rua (Portaria nº 122, de 25/01/2012); criou a modalidade Pronatec Pop Rua, com turmas exclusivas e metodologia adaptada à realidade e necessidade desse público; construiu parceria para a execução de projetos de fomento à economia solidária, como estratégia de inclusão socioeconômica e de autonomia da população em situação de rua; dentre outras conquistas. Instituído por meio do Ministério dos Direitos Humanos, o CNDDH é executado em parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Sobre o Comitê Gestor Municipal Intersetorial

A Política Nacional da Pessoa em Situação de Rua trouxe diretrizes para discussão e avaliação desse cenário de interesse de toda a sociedade. Um dos principais mecanismos previstos foi a criação de um Comitê Gestor Municipal Intersetorial, com atuação de todas as áreas (Educação, Saúde, Habitação etc.), destinado à elaboração de planos de ação, especificando metas, objetivos e responsabilidades. Através desse Comitê, será possível disponibilizar programas de qualificação profissional para as pessoas em situação de rua, bem como o acesso ao mercado de trabalho, aos benefícios previdenciários e assistenciais e aos programas de transferência de renda, na forma da legislação específica. Várias capitais brasileiras (Rio Branco/AC, Maceió/AL, Porto Alegre/RS, Vitória/ES, Belo Horizonte/MG, Salvador/BA, São Paulo/SP e outras) já contam com esse tipo de serviço. No Rio de Janeiro, o Comitê ainda não foi criado.