Diante
da crítica situação em que se encontra o atendimento aos pacientes portadores
de câncer no estado do Rio de Janeiro, a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou,
nesta sexta-feira (24), Ação Civil Pública (ACP) em face da União, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (Unirio) e da Universidade Federal Fluminense (UFF).
A ACP ajuizada
pela DPU requer: o reabastecimento das farmácias e almoxarifados com insumos e
medicamentos necessários à continuidade do tratamento dos pacientes; a
realização de exames de diagnóstico, como mamografia, tomografia
computadorizada, ressonância magnética, entre outros, dentro do prazo máximo de
até 60 dias; e ainda que, no prazo máximo de 20 dias, seja zerada a fila de
pessoas que aguardam por quimioterapia, sob pena de multa diária ao secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde e ao secretário-executivo
do Ministério da Saúde, no valor de
até R$ 50 mil reais, para o caso de eventual
descumprimento.
De
acordo com o defensor público federal Daniel Macedo, responsável pela ação
coletiva, “o tratamento oncológico está seriamente comprometido e vem determinando
o agravamento do estado de saúde física e emocional de milhares de pacientes,
que, muitas vezes, chegam a vir a óbito”. Para o defensor, “o estado do Rio de
Janeiro vivencia, de fato, um estado de calamidade pública na temática de Saúde.
É preciso que o Governo Federal sinalize com medidas claras e objetivas, como a
apresentação de um plano concreto de ações para interromper o processo de
precarização do tratamento dos pacientes oncológicos em todo o País. A União
deve coadjuvar o paciente e não ser partícipe deste processo de agravamento do seu
estado de saúde”, afirmou Macedo.
Número de hospitais com interrupção do ciclo de
quimioterapia chega a 46%
Atendendo
à solicitação da Defensoria Pública da União, o Conselho Regional de Medicina
do Estado Rio de Janeiro (Cremerj) realizou inspeções médicas, de outubro de
2016 a novembro de 2017, em três unidades do Instituto Nacional de Câncer José
Alencar Gomes da Silva – Inca (Hospitais do Câncer I, II e III), no Hospital
Federal da Lagoa, no Hospital Federal Cardoso Fontes, no Hospital Federal dos
Servidores do Estado, no Hospital Federal do Andaraí, no Hospital Federal de
Ipanema, no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (UniRio), no Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), no Instituto de Puericultura e
Pediatria Martagão Gesteira (UFRJ), no Hospital Universitário Antônio Pedro (UFF)
e no Hospital Federal de Bonsucesso, totalizando treze hospitais da rede
federal.
Apurou-se
que:
- 59%
dos pacientes oncológicos chegam à rede federal em estado avançado da doença;
- 42%
dos pacientes chegam às unidades hospitalares portando exames com prazo
superior a seis meses;
- tomografia
computadorizada: espera para marcação pode chegar a três meses e resultado
demorar até dois meses;
- ressonância
magnética: agendamento pode chegar a dez semanas e resultado demorar três
semanas;
- o
tempo médio de espera para realização de cirurgia oncológica é de seis semanas;
- o
número de hospitais com interrupção do ciclo de quimioterapia chega a 46%; tal
interrupção pode chegar a atingir 70% dos pacientes em algumas unidades, como
no Hospital Federal do Andaraí e de Bonsucesso, este último com taxa de
sobrevida menor do que 30%.
Subfinanciamento da Saúde, falta de concursos públicos e de gestão
qualificada
Para
Daniel Macedo, “o subfinanciamento da saúde, em contraste com o aumento do
número de casos de câncer, é uma realidade. Os valores repassados ao Inca, na comparação
dos anos de 2015 e 2016, sofreu um decréscimo de R$ 429.901.470,54 para R$
390.170.717,26”.
Ainda
segundo o defensor, a falta de concursos públicos periódicos também é uma das
causas desse cenário alarmante. “O último concurso para o Inca foi realizado no
ano de 2012, ao passo que, para os seis hospitais federais, o último concurso
foi realizado no ano de 2010. Até janeiro de 2018, a rede federal perderá 4.200
profissionais de saúde e administrativos, diante da resistência da União em não
renovar os contratos temporários”, afirma Daniel.
Outro
problema apontado pelo defensor é a falta de gestão qualificada das unidades. “Não
se tem uma avaliação e administração criteriosa do parque tecnológico.
Aparelhos de tomografia, mamografia e radioterapia constantemente estão
quebrados por falta de manutenção preventiva ou pelo simples término do seu
tempo de vida útil”, relata.
Íntegra dos pedidos contidos na ACP:
1) Seja determinada à União e aos Hospitais Universitários indicados como
réus a apresentação de um plano conjunto e concreto de ações no prazo
improrrogável de 20 (vinte) dias, que envolva o Instituto Nacional do Câncer –
RJ e o Departamento de Gestão Hospitalar – MS, para determinar o abastecimento
de insumos, quimioterápicos, coadjuvantes, adjuvantes e todos os medicamentos
necessários no tratamento oncológico de acordo com o protocolo terapêutico
adequado e indicado pelo médico dos pacientes dos hospitais federais vinculados
ao Ministério da Saúde e aos Hospitais Universitários que estão com estoque
zerado, crítico ou deficiente. O plano e a sua concretização deverá abranger,
necessariamente, a lista de todos os pacientes referenciados em cada uma das
Unidades (indexado pelo nome do paciente, pelo tempo de espera e a gravidade do
caso) munícipes ou não, com a hierarquização dos casos de acordo com a
gravidade do quadro clínico de cada um e a indicação nominal, dentro do
universo total de pacientes, daqueles que já tenham ultrapassado o prazo de
suas necessidades terapêuticas, devendo ainda ser indicado se o tratamento foi
interrompido ou não, a linha de cuidado a ser adotada, a grade completa de
medicamentos oncológicos e insumos com o consumo médio mensal atualizado em
cada Unidade Hospitalar e respectiva fonte de recursos de custeio. O plano
apresentado também deverá conter solução que garanta a continuidade do
tratamento para os pacientes vindouros (ou seja a não interrupção).
2) Seja determinado aos Réus, no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar
da decisão liminar, reduzir a zero o quantitativo de pacientes com indicação
para quimioterapia referenciados nas Unidades Hospitalares vinculadas aos réus
mencionadas no corpo desta petição, que tiveram o tratamento interrompido por
qualquer prazo por falta dos medicamentos e ou insumos, valendo-se para tanto,
inclusive, da transferência para o tratamento oportuno em outras Unidades do
Sistema Único de Saúde - Tratamento Fora do Domicílio (TFD), bem como de toda e
qualquer solução administrativa que assegure resultado prático equivalente (ex.
contratação emergencial etc.), apresentando, em Juízo, ao final do prazo acima,
relatório com o encaminhamento dos pacientes com a relação nominal associada à
respectiva solução para tratamento;
3) A implementação do processo de compra unificada em toda a rede federal
relativamente aos insumos e medicamentos oncológicos em processo conduzido pelo
Inca com regras claras quanto ao procedimento licitatório para aquisição dos
produtos, mecanismos para aferir a adequabilidade dos valores adotados como referência
nos procedimentos custeados pelo SUS, tendo por base avaliação periódica dos
seus custos efetivos, de sorte a identificar discrepâncias que possam atuar
como inibidoras da oferta de serviços de saúde e o plano de dispensação e
controle dos insumos e medicamentos – Prazo 60 dias;
4) A condenação dos réus para que adotem todas as medidas necessárias no
prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias para a implementação em suas Unidades
das ações e serviços abaixo descritos, cuja oferta é obrigatória pelos
estabelecimentos de saúde habilitados como CACON e UNCACON, de acordo com a
Portaria nº 140, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2014 do Ministério da Saúde e que
conforme as provas colacionadas são inexistentes ou deficientes, para que seja
possível garantir o prazo previsto na Lei 12.732, vale afirmar, de 60
(sessenta) dias entre o diagnóstico da
doença até o início do tratamento:
4.1) Serviço de diagnóstico por imagem que realize, no mínimo, os seguintes
exames: a) radiologia convencional; b) mamografia; c) ultrassonografia com
doppler colorido; d) tomografia computadorizada; e) ressonância magnética; e f)
medicina nuclear equipada com gama-câmara, todos operantes/funcionais, de
acordo com as normas vigentes com equipamentos, insumos, medicamentos e pessoal
que garanta o diagnóstico, resultado e análise dentro do prazo legal.
4.2) Laboratório de Anatomia Patológica, o qual realize os seguintes exames:
a) biópsia de congelação; b) histologia; c) citologia; d) imunohistoquimica de
neoplasias malignas, todos operantes/funcionais, de acordo com as normas
vigentes com equipamentos, mobiliários, insumos, medicamentos e pessoal que
garanta o diagnóstico, resultado e análise dentro do prazo legal.
4.3) A adequada e compatível oferta de consultas e exames para o diagnóstico
diferencial e definitivo do câncer, e para estadiamento clínico ou cirúrgico da
doença, de acordo com a modalidade de habilitação, dentro do prazo estabelecido
por lei para toda a demanda de pacientes
regulados pelo município e estado do Rio de Janeiro para as Unidades
Hospitalares vinculadas aos réus, devendo estes apresentarem em Juízo o
cardápio por especialidade, de sua oferta de consultas e exames para o
tratamento oncológico.
A
correção das deficiências dos serviços acima nos hospitais vinculados aos réus
tem por finalidade viabilizar o atendimento integral da demanda atual e
vindoura de todos os pacientes, munícipes ou não, com indicação para as
consultas e exames, dentro do prazo de sua necessidade terapêutica, (i) seja
através da estruturação e funcionamento de novos serviços dentro da atual rede de atenção oncológica do
município do Rio de Janeiro em questão com a previsão dos recursos humanos
necessários, (ii) seja através da contratação de serviços junto às instituições
privadas de assistência à saúde, de forma complementar, utilizando-se dos meios
legais cabíveis para tornar atrativa a participação de prestadores de saúde,
ou, por fim, (iii) através de outra(s) medida(s) que assegure(m) o resultado
prático equivalente (art. 497 do CPC) que venha(m) a ser apresentada(s) pelos
réus nos prazos acima indicados, devendo ser apresentado, no prazo máximo de 20
dias, a relação nominal dos pacientes referenciados em cada uma das Unidades
(indexado pelo nome do paciente, pelo tempo de espera e a gravidade do caso)
munícipes ou não, com a hierarquização dos casos de acordo com a gravidade do
quadro clínico de cada um e a indicação nominal, dentro do universo total de
pacientes, daqueles que já tenham ultrapassado o prazo de suas necessidades
terapêuticas, devendo ainda ser indicado se o tratamento foi interrompido ou
não e a linha de cuidado a ser adotada, devendo ser considerado o prazo máxima
de 60 (sessenta) dias do início do diagnóstico até o início do tratamento.
5) A cominação de multa diária de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)
ou outro valor que vier a ser arbitrado por esse Juízo (art. 11, da Lei nº
7.347/85 e art. 537 do CPC) e/ou a cominação de multa pessoal, no valor de R$
100.000,00 (cem mil reais), ao secretário de Atenção à Saúde do Ministério da
Saúde e ao secretário-executivo do Ministério da Saúde, para o caso de eventual
descumprimento de cada uma das obrigações contidas em decisão liminar, tudo com
incidência de juros e atualização monetária.
Comunicação DPU/RJ
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