No dia da
audiência, G.S.A. reencontrou a mãe, após 16 anos de separação.
O dia 10 de agosto de 2017 foi de
muita emoção para G.S.A., assistido pela Defensoria Pública da União (DPU) no
Rio de Janeiro. Acusado em ação penal por tráfico internacional de drogas, o
rapaz foi absolvido pela juíza federal Juliana Montenegro Calado, da 4ª Vara
Federal Criminal, que determinou sua imediata soltura. Na audiência, ele reencontrou
a mãe que não via há 16 anos. A mulher saiu de Sergipe e veio para o Rio de
Janeiro em busca de oportunidades de trabalho, quando G.S.A tinha apenas oito
anos de idade. O reencontro entre mãe e filho ocorreu nesta audiência do dia 10,
depois de quase duas décadas de separação.
![]() |
Defensora pública federal Patrícia Ubal Przybylski |
Natural do interior de Sergipe, G.S.A. havia sido preso em flagrante, em 10 de abril, no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/Galeão – Antonio Carlos Jobim, transportando 2,985 kg de cocaína, em fundo falso de mala. Em sua argumentação, a defensora pública federal Patrícia Ubal Przybylski, do 7º Ofício Criminal da DPU/RJ, afirmou não estar devidamente comprovado o dolo (intenção criminosa de violar a lei), tendo o delito conotação de tráfico de pessoas. “O tráfico de pessoas tem assumido, nos dias atuais, as mais diversas formas. No caso, o réu foi cooptado para servir de mão de obra ao tráfico de drogas (“mula”), julgando que a viagem objetivava a obtenção de um emprego no exterior. A sentença teve a sensibilidade de reconhecer que se tratava de um caso diferenciado, absolvendo-o por ausência de dolo, isto é, por não haver a intenção de praticar o crime”, explicou a defensora.
Entenda o caso
G.S.A., pessoa humilde e de baixa
instrução escolar, nasceu e foi criado no interior de Sergipe. Interrompeu o já
precário estudo noturno para ajudar os avós no trabalho da lavoura. Aos 18
anos, conseguiu emprego com carteira assinada como ajudante de mecânico e,
depois, em 2014, mudou-se para Aracaju, trabalhando em funções de baixa
complexidade técnica e intelectual. Jamais sequer viajou de avião até o dia em
que foi preso. Durante o interrogatório, afirmou que seu acesso à Internet
restringe-se ao aplicativo WhatsApp.
Há aproximadamente um ano, G.S.A.
conheceu um homem em uma festa de Carnaval, na Orla de Atalaia, em Aracaju, e daí
começou o que ele julgava ser uma amizade. Entre março e abril de 2017, recebeu
do “amigo” uma oferta de trabalho, após comentar que tinha sido demitido do
emprego. A oportunidade seria em uma empresa na Europa, fabricante de perfumes
e sabonetes, na qual o primo trabalhava.
Combinaram de ir juntos e G.S.A.
chegou a ajudar nos custos da viagem, com parte do valor recebido em rescisão
trabalhista. A viagem duraria sete dias. G.S.A. conheceria a empresa e, se tudo
desse certo, retornaria ao Brasil para organizar sua ida definitiva, levando a
companheira junto.
O tal “amigo” disse a G.S.A. que a única
mochila que possuía não era o tipo de bagagem adequado para viagens internacionais
e que lhe daria uma mala nova, o que foi feito por meio de uma mulher,
supostamente esposa do “amigo”. A mala veio “com etiqueta e tudo”. Foi nessa
ocasião e para essa mulher, que G.S.A. entregou os mil reais prometidos para
ajudar na compra da passagem.
No dia da viagem, G.S.A foi surpreendido, quando o “amigo” lhe disse que
teria que resolver alguns problemas em Salvador, de onde o voo partiria, e que
não poderia seguir viagem com ele. O primo o esperaria no aeroporto de destino
e o encontraria “quando saísse do avião”. Os dois foram até Salvador no carro do
“amigo”. G.S.A. foi preso em flagrante transportando a droga, quando estava em
trânsito entre Salvador/BA e Frankfurt (Alemanha), com escalas no Rio de
Janeiro e Marselha (França). Sua bagagem foi inspecionada e nela encontrada a
substância entorpecente.
A sentença
A juíza Juliana Calado considerou
que, embora o caso aparentasse ser mais uma das diversas situações de tráfico
de drogas praticado por “mula”, não poderia ser tratado como tal, devido à
existência de “uma série de nuances que o tornam absolutamente diferente dos
casos da praxe forense”. Para a magistrada, “através do interrogatório, ficou
bastante evidente a absoluta ignorância do réu quanto até mesmo o seu destino
final, pois afirmou, com toda a segurança em audiência, que teria questionado (...)
por que a passagem estava marcada para Marselha na França, pois o trato era
trabalhar “numa empresa na Europa”. (...) Respondeu que achava que a Europa era
um outro lugar “como Sergipe”, por exemplo, demonstrando que não fazia ideia
que a França estava localizada no continente europeu ou mesmo diferenciando um
estado federado de um país ou de um continente”.
A magistrada concordou com a defesa
sobre ser “bastante inusitado e dissonante dos casos que comumente aparecem” o
fato de o réu ter contribuído com as despesas da viagem e considerou que G.S.A.
se apresenta “muito mais como uma vítima do que como um agente criminoso, ainda
que de baixa culpabilidade como é o caso das ‘mulas’, tendo sido claramente
ludibriado por terceiros, possivelmente pertencentes a organizações criminosas,
que se aproveitaram de seu baixo grau de instrução, boa-fé e ingenuidade para
usá-lo como verdadeiro instrumento do crime de tráfico”.
G.S.A. ficou preso por quatro meses,
de 10/04 a 10/08/2017, data da audiência que levou a juíza federal Juliana Calado
a absolvê-lo e determinar sua imediata soltura. O Ministério Público Federal já
manifestou ciência da sentença e informou que não será interposto recurso de
apelação.
Comunicação DPU/RJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário