Nesta terça-feira (19), a Defensoria Pública da União (DPU)
no Rio de Janeiro participou de audiência pública, promovida pelas comissões de
Cultura, Direitos Humanos e Combate às Discriminações na Assembleia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) como parte da campanha "Liberte Nosso
Sagrado". Na sessão se debateu o futuro do acervo com cerca de 400 peças
relacionadas às religiões de matrizes africanas, abrigadas no Museu da Polícia
Civil há 80 anos.
O defensor público federal Thales Treiger integrou a
discussão que culminou com a decisão pela criação de um grupo de trabalho visando
estabelecer um acordo sobre o destino dos itens, apreendidos quando essas
crenças ainda eram consideradas crimes. Também participaram da audiência os
deputados estaduais Marcelo Freixo (PSol), que preside a Comissão de Direitos
Humanos, Eliomar Coelho (PSol), Luiz Paulo (PSDB), Wanderson Nogueira (PSol) e
Carlos Minc (sem partido), presidente da Comissão de Combate às Discriminações.
O grupo de trabalho será composto por parlamentares,
representantes do Poder Judiciário, da secretaria de Cultura, do movimento
negro e por lideranças religiosas. Segundo Thales Treiger, “os religiosos
sempre ressaltam que não se trata de objetos arqueológicos de museu, mas sim de
uma questão religiosa que envolve peças que ainda estão vivas e cuja até mesmo
a manipulação, via de regra, só poderia ser feita por autoridades religiosas”.
Sobre o destino das peças, o defensor acrescenta que “a
reivindicação destas pessoas é caso, eventualmente, se venha a fazer uma
exposição deste material, que se faça através do olhar de quem efetivamente
criou aquelas peças e entende e respeita seu significado e não o olhar externo
de dominador sobre aqueles objetos, sobre aqueles povos, sobre aquela religião.
Por isso, em termos de direitos humanos, buscamos que se faça como, por
exemplo, em todos os museus europeus, nos quais já se tem um olhar atento para
essa questão etnográfica.”.
De acordo com relatório das Nações Unidas divulgado em
janeiro de 2017, entre 2011 e 2015, o Rio de Janeiro teve mais registros de
casos de discriminação religiosa do que qualquer outro estado brasileiro r as religiões
afro-brasileiras foram os alvos mais comuns de discriminação.
Thales Treiger destaca que, por isso mesmo, “diante da
resistência das autoridades que têm a guarda deste material em devolvê-lo a
quem de direito, a DPU vem trabalhando no sentido de que se aplique uma
politica legislativa para que se possa fazer a devolução e que sejam
satisfeitas as pessoas que efetivamente tem uma relação com estes objetos e não
uma decisão alienada e imposta verticalmente. Os religiosos envolvidos tem que
participar da destinação destas peças e mais do que ter voz, devem ser ouvidos.”.
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Crédito imagem: Alerj – Fotógrafo Octacílio Barbosa |
“Liberte Nosso
Sagrado”
A campanha “Liberte Nosso Sagrado” pede liberação de objetos
sagrados afro-brasileiros “aprisionados” pela polícia quando vigia o Código
Penal de 1890 que proibia a prática da cultura e religiosidade afro-brasileira,
rebaixando crenças afro-brasileiras a xamanismo e magia negra. A autoridades
invadiam então terreiros e confiscavam seus objetos sagrados como prova. Esta
lei discriminatória foi alterada com o Código Penal de 1940, mas era aplicada
na prática até 1960.
Até a década de 90 tais peças ficavam expostas ao público de
maneira desrespeitosa no Museu da Polícia Civil onde a coleção era
etiquetada pelo termo depreciativo “Magia Negra”, e os objetos colocados ao
lado de armas de fogo, evidências de cenas de crime e objetos nazistas. Muito
embora tais peças tenham sido removidas permanente da exposição e armazenadas
no arquivo, fechado à visitação, as autoridades religiosas denunciam que desde 2010,
quando o museu foi fechado para obras, o acesso aos objetos sagrados tornou-se
praticamente impossível e não haveria sequer ar-condicionado ou qualquer outra
medida para conservação dos objetos.
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