21 de setembro de 2017

Audiência pública discute destino de acervo religioso apreendido pela polícia no RJ

Nesta terça-feira (19), a Defensoria Pública da União (DPU) no Rio de Janeiro participou de audiência pública, promovida pelas comissões de Cultura, Direitos Humanos e Combate às Discriminações na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) como parte da campanha "Liberte Nosso Sagrado". Na sessão se debateu o futuro do acervo com cerca de 400 peças relacionadas às religiões de matrizes africanas, abrigadas no Museu da Polícia Civil há 80 anos.

O defensor público federal Thales Treiger integrou a discussão que culminou com a decisão pela criação de um grupo de trabalho visando estabelecer um acordo sobre o destino dos itens, apreendidos quando essas crenças ainda eram consideradas crimes. Também participaram da audiência os deputados estaduais Marcelo Freixo (PSol), que preside a Comissão de Direitos Humanos, Eliomar Coelho (PSol), Luiz Paulo (PSDB), Wanderson Nogueira (PSol) e Carlos Minc (sem partido), presidente da Comissão de Combate às Discriminações.

O grupo de trabalho será composto por parlamentares, representantes do Poder Judiciário, da secretaria de Cultura, do movimento negro e por lideranças religiosas. Segundo Thales Treiger, “os religiosos sempre ressaltam que não se trata de objetos arqueológicos de museu, mas sim de uma questão religiosa que envolve peças que ainda estão vivas e cuja até mesmo a manipulação, via de regra, só poderia ser feita por autoridades religiosas”.

Sobre o destino das peças, o defensor acrescenta que “a reivindicação destas pessoas é caso, eventualmente, se venha a fazer uma exposição deste material, que se faça através do olhar de quem efetivamente criou aquelas peças e entende e respeita seu significado e não o olhar externo de dominador sobre aqueles objetos, sobre aqueles povos, sobre aquela religião. Por isso, em termos de direitos humanos, buscamos que se faça como, por exemplo, em todos os museus europeus, nos quais já se tem um olhar atento para essa questão etnográfica.”.

De acordo com relatório das Nações Unidas divulgado em janeiro de 2017, entre 2011 e 2015, o Rio de Janeiro teve mais registros de casos de discriminação religiosa do que qualquer outro estado brasileiro r as religiões afro-brasileiras foram os alvos mais comuns de discriminação.

Thales Treiger destaca que, por isso mesmo, “diante da resistência das autoridades que têm a guarda deste material em devolvê-lo a quem de direito, a DPU vem trabalhando no sentido de que se aplique uma politica legislativa para que se possa fazer a devolução e que sejam satisfeitas as pessoas que efetivamente tem uma relação com estes objetos e não uma decisão alienada e imposta verticalmente. Os religiosos envolvidos tem que participar da destinação destas peças e mais do que ter voz, devem ser ouvidos.”.

Crédito imagem: Alerj – Fotógrafo Octacílio Barbosa

“Liberte Nosso Sagrado”

A campanha “Liberte Nosso Sagrado” pede liberação de objetos sagrados afro-brasileiros “aprisionados” pela polícia quando vigia o Código Penal de 1890 que proibia a prática da cultura e religiosidade afro-brasileira, rebaixando crenças afro-brasileiras a xamanismo e magia negra. A autoridades invadiam então terreiros e confiscavam seus objetos sagrados como prova. Esta lei discriminatória foi alterada com o Código Penal de 1940, mas era aplicada na prática até 1960.

Até a década de 90 tais peças ficavam expostas ao público de maneira desrespeitosa no Museu da Polícia Civil onde a coleção era etiquetada pelo termo depreciativo “Magia Negra”, e os objetos colocados ao lado de armas de fogo, evidências de cenas de crime e objetos nazistas. Muito embora tais peças tenham sido removidas permanente da exposição e armazenadas no arquivo, fechado à visitação, as autoridades religiosas denunciam que desde 2010, quando o museu foi fechado para obras, o acesso aos objetos sagrados tornou-se praticamente impossível e não haveria sequer ar-condicionado ou qualquer outra medida para conservação dos objetos.


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