O
I Seminário Nacional de Defensoria
Pública e População em Situação de Rua, promovido em 06 e 07 de julho pela
Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro (DPU/RJ) e Defensoria Pública
Geral do Estado do Rio de Janeiro (DPGE/RJ), reuniu defensores públicos
federais e estaduais de todo o Brasil, pessoas em situação de rua e
representantes do Estado e de movimentos da sociedade civil que atuam em defesa
dos direitos deste grupo social. Participaram cerca de 300 pessoas só no
primeiro dia, quando o evento foi sediado na DPU/RJ. No dia 07, as atividades
transcorreram na sede da DPGE/RJ.
Os
presentes tiveram oportunidade de assistir a palestras e participar de debates
sobre temas como a experiência das defensorias públicas no atendimento às
pessoas em situação de rua, além de conhecer ou obter mais informações a
respeito de iniciativas já realizadas ou em andamento, como a Ronda de Direitos Humanos (Ronda RH). O
projeto, criado em março de 2016, é voltado a acompanhar as abordagens feitas
por agentes públicos e já ajudou a reduzir em mais de 60% as violações de
direitos praticadas por agentes municipais e em mais de 70% por agentes estaduais.
Para completar a programação, o público foi agraciado com encenação teatral
temática e apresentação musical, aos cuidados do coral Uma Só Voz.
A
mesa de abertura do evento foi composta pelo defensor público-geral federal Carlos
Eduardo Barbosa Paz, o defensor público-geral do estado do Rio de Janeiro André
Luís Machado de Castro, o presidente da Associação Nacional dos Defensores
Públicos Federais (Anadef) Igor Roberto Albuquerque Roque, o presidente da Associação
Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) Antonio José Maffezoli Leite, a coordenadora-geral
de Serviços Especializados à Família e Indivíduos da Secretaria Nacional de
Assistência Social (SNAS) do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) Ana
Luísa Coelho Moreira e o coordenador do Movimento Nacional da População de Rua
(MNPR) Samuel Rodrigues.
Na
parte da tarde, compuseram a mesa: o coordenador-geral de Direitos da População
em Situação de Rua da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República Carlos Alberto Ricardo Júnior, a coordenadora do MNPR Maria Lucia
Santos Pereira e os defensores públicos Nara de Souza Rivitti (DPU/SP), Carlos Weis
(DPE/SP), Renan Vinícius Sotto Mayor (DPU/RJ) e Carla Beatriz Nunes Maia
(DPE/RJ), os dois últimos à frente da organização do evento.
“O caminho é não só de receber, mas também de buscar.”
Para
o defensor público-geral federal Carlos Paz, “o Estado brasileiro, já há muito
tempo, queria e deveria estar atento às populações mais vulneráveis,
especialmente à população em situação de rua. Se é que existia uma porta, essa
porta não era muito visível ou estava semicerrada. A gente entende, como Defensoria
Pública, que isso é uma prioridade e é como tal que essa gestão da DPU a trata
ao fixar diretrizes e uma politica de atendimento, não diferenciada, mas
adequada às populações que precisam do nosso serviço. Foi por isso que essa
administração entendeu de fixar novo conceito e nova cultura de recepção, de
atendimento e de trato destas demandas que envolvem essa população, que já é
tão vulnerabilizada, que já não tem teto, que já não tem segurança alimentar,
que sofre diariamente violações dos seus direitos mais básicos, que não tem,
muitas vezes, sequer o direito de acessar equipamentos públicos porque lhe
falta os requisitos, ditos, da vida civil; ou seja, fogem de um conceito, de
uma convenção social de normalidade, de pressuposto de que o cidadão está pronto
para acessar o serviço público. Muitas vezes, essa população chega até nós sem
qualquer destes requisitos e é dever nosso apoiá-la, desde o seu entendimento
sobre aquela necessidade quanto ao alcance da sua pretensão. É Defensoria sendo
Defensoria; Defensoria existindo para quem mais dela precisa e nem sabe que
dela precisa. Então, o caminho é não só de receber, mas também de buscar”,
disse o defensor.
Segundo
Paz, “um seminário como este traz justamente a possibilidade de capacitação
transdisciplinar e horizontalizada, onde defensores e outros operadores do
sistema de justiça, bem como instituições públicas e do terceiro setor e, em
especial, os componentes do movimento da população em situação de rua conseguem
juntos e de mãos dadas firmar um caminho seguro, humano e compreensível em prol
das lutas e das necessidades mais básicas que essas pessoas têm”, afirmou o
defensor, que completou: “Estamos muitos felizes que a Defensoria Pública da
União tenha dado um passo formal, um passo relevante e histórico ao encontro
dessa necessidade da população brasileira e que só cresce. Essa é a nossa
preocupação: estar preparados, mesmo que ainda não definitivamente, mas
preparados, para, se preciso for, ajudar, sendo procurada ou procurando essas
pessoas”.
“O importante é que esse projeto se institucionalize,
seja um compromisso cotidiano da instituição.”
No
entender do defensor público-geral do estado do Rio de Janeiro André Castro, “o
importante é que esse projeto se institucionalize e deixe de ser um projeto de
algumas pessoas muito engajadas e muito sensibilizadas com a importância de
atuar nessa área; que, além da iniciativa pessoal desses indivíduos, passe a
ser realmente um projeto institucional, se consolide, se normatize, finque suas
raízes e seja um compromisso cotidiano da instituição, para além das pessoas
que as integram, mas das instituições em todos os estados, da União, das demais
entidades, dos demais órgãos públicos, em dar uma atenção mais específica nessa
área. Para a Defensoria Pública, se aprofundar nessa matéria é de grande
importância”, afirma o defensor.
“Para
muitos que estão aqui, isso talvez pareça óbvio, mas não é. A Defensoria Pública
é uma instituição criada para prestar assistência jurídica integral e gratuita
para todas as pessoas em situação de vulnerabilidade e a população de rua é,
por excelência, um grupo de pessoas em situação de vulnerabilidade, mas a forma
como a Defensoria Pública tradicionalmente foi desenhada e estruturada, muitas
vezes, afasta o atendimento da Defensoria a essas pessoas”, diz Castro, que explica:
“Mesmo dentro de uma repartição da Defensoria Pública, para entrar, você
precisa estar trajado de determinada maneira; para se apresentar, você deve ter
um documento de identidade ou um CPF; ou seja, você deve se enquadrar em uma série
de requisitos que, para a população de rua, por ser uma das mais vulneráveis, é
absolutamente impossível. Até mesmo o deslocamento até a Defensoria Pública é
algo muito difícil ou quiçá impossível. Por tanto, nessa estrutura clássica que
a Defensoria foi montada, para nós atendermos à população de rua, não basta só
boa vontade ou voluntarismo. É preciso que – e isso é um compromisso de todos
nós – a própria instituição seja mudada e transformada na forma de prestar esse
atendimento, para que realmente possamos receber essa população e chegar até
ela. A gente tem que ir até onde essa população está. Temos que sair das salas
e dos gabinetes, procurar essas pessoas e ir ao seu encontro”, conclui o
defensor.
O
presidente da Anadef Igor Roque destaca que a Defensoria no Brasil é uma
instituição nova, que ainda está em formação, o que ele percebe como uma
vantagem muito grande, “pois, se está em formação, nós que estamos fazendo a Defensoria
Pública temos o poder de fazê-la da maneira que achamos mais adequada”. Segundo
o defensor, “a Defensoria Pública, de acordo com a nossa Constituição, é um
instrumento, uma expressão do regime democrático, e democracia é participação
popular, é inclusão, é transformação social e é isso que a Defensoria Pública
faz e que precisa fazer. Precisamos colocar essas pessoas dentro da Defensoria Pública.
A Defensoria foi feita para essas pessoas, para quem está numa situação de
vulnerabilidade extrema, para quem está esquecido pelo Estado. A Defensoria Pública
é o braço do Estado para fazer com que estas pessoas ingressem dentro de uma
esfera social mínima que seja. Então, a Defensoria Pública tem esse papel. A Defensoria
é casa do povo. A população em situação de rua tem que estar aqui diariamente,
tem que dar o tom na Defensoria Pública da União”, afirma Roque.
“A
Defensoria Pública é a principal porta de acesso à justiça e sabemos das
dificuldades da população, de uma maneira geral, em ter acesso à justiça. Imagina
essa população em situação de vulnerabilidade? Então, a Defensoria Pública,
para conseguir concretizar esse acesso à justiça, precisa se adaptar a essa
realidade. No âmbito da Defensoria Pública da União, isso foi instrumentalizado,
através de uma portaria editada pelo defensor público-geral, na medida em que
determina que o atendimento feito a essa população não precisa de agendamento
nem fila, que vai se levar em consideração os locais indicados por eles, a
documentação não vai ser exigida, como se faz com uma pessoa que não está nessa
condição. Isso tudo porque queremos proporcionar essa inclusão social”,
completa o defensor.
“A disponibilidade
para participar deste tipo de evento é muito importante.”
O
presidente da Anadep Antonio Leite também vê como vantagem o fato de a Defensoria
Pública ser uma instituição relativamente nova na história do Brasil. Por ainda
estar em crescimento, “permite essa porosidade para que a sua forma de atuação
esteja em construção. Nessa construção, em varias áreas, mas principalmente no
atendimento às pessoas em situação de rua, a participação e a disponibilidade
para participar deste tipo de evento é muito importante, tanto das pessoas
individualmente quanto dos movimentos e entidades. Tudo isso é essencial para
que possamos ouvi-los, conhecer as suas necessidades e a forma como podemos
prestar um serviço de melhor qualidade”, conclui Leite.
“Não se constrói
política pública sozinho. Precisamos desta parceria.”
De
acordo com a coordenadora da SNAS/MDS Ana Coelho, o Ministério do
Desenvolvimento Social foi um dos primeiros a aproximar e a instituir ações,
dentro da Política Pública da Assistência Social, em relação à população em
situação de rua. “Temos os serviços dos Centros Pops [Centro de
Referência Especializado para População em Situação de Rua], serviço de
acolhimento à população em situação de rua e, cada vez mais, temos tido a
aproximação desta pauta e efetividade na tentativa de podermos trazer algumas
soluções no âmbito da assistência social. Em termos do Ciamp [Comitê
Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para
População em Situação de Rua] e da moradia, temos trabalhado bastante para
aproximar todas essas políticas, na medida em que percebemos a possibilidade e a
efetividade desta integração das políticas públicas”, informou a coordenadora. “Por
isso mesmo, parabenizamos a iniciativa deste evento da Defensoria Pública,
nossa parceira, uma vez que não se constrói política pública sozinho e
precisamos desta parceria, de todos juntos focados em um interesse comum de
desenvolvimento social da população em situação de rua”, completou Ana Coelho.
“É a parceira entre quem
tem o direito violado e quem luta contra a violação de direitos.”
Para
o coordenador do MNPR Samuel Rodrigues, “é muito rica essa história da atuação
da Defensoria Pública junto à população em situação de rua. É a história da
parceira de quem tem o direito violado e a de quem luta contra a violação de
direitos. Por isso, é essencial transformar as referências, transformar o
defensor parceiro, o defensor “bonzinho”, transformar a militância do defensor
em algo institucionalizado. Eles vão passar, mas isso vai ficar como regra e
normativa da instituição. Isso é caro, rico e muito bem-vindo pela população de
rua e nos interessa muito. Por isso, viemos dar as mãos a esse projeto. O nosso
movimento acompanha e quer participar disto”, conclui.
“A gente espera que o trabalho da Defensoria
com população de rua se institucionalize.”
À
frente da organização do evento, a defensora pública estadual Carla Beatriz e o
defensor público federal Renan Vinícius destacaram suas impressões sobre a
realização deste Seminário. Carla fez questão de agradecer ao defensor Renan, “que
foi o grande idealizador da maior parte da organização” e colocou suas
expectativas. “O que a gente espera, enquanto Defensoria, é que o trabalho da
Defensoria com população de rua saia do voluntarismo, saia da pessoalidade e se
institucionalize. Esta foi, inclusive, a fala de muitos aqui. E o que significa
isso? Significa que a nossa Lei Complementar 80 coloca como uma das nossas atribuições
principais a promoção dos Direitos Humanos. Além da Constituição, a nossa Lei é
clara. Então, o principal destinatário desse segmento jurídico, Direitos
Humanos, são os vulneráveis. A população em situação de rua é um dos grupos
mais vulneráveis entre os vulneráveis. Então, o que a gente espera é que os
colegas entendam essa nossa atribuição, essa nossa função, e priorizem, a
partir de agora, um pouco mais essa população”, disse a defensora.
“A Defensoria tem que
ter uma visão mais proativa pra poder alcançar este público.”
De
acordo com Renan, “este evento foi fundamental e histórico para consolidar o
atendimento à população em situação de rua enquanto prática institucional”. Na
opinião do defensor federal, “a Defensoria Pública deve ter como prioridade
prestar assistência jurídica integral às pessoas em situação de rua porque, se
a missão constitucional da Instituição é defender os mais necessitados e
vulneráveis, o grupo mais vulnerável é justamente o das pessoas em situação de
rua”. Renan ressalta que “esta população está acostumada a ter seus direitos
violados e tem dificuldades para ver a Defensoria enquanto possibilidade. A
Defensoria tem que mudar e ter uma visão mais proativa para poder alcançar este
público”, conclui o defensor.
População em situação
de rua no Rio de Janeiro
Uma
pesquisa encomendada, em 2015, pela Prefeitura do Rio de Janeiro contabilizou
5.800 pessoas em situação de rua no município. O número foi contestado pelas
instituições integrantes da rede de atendimento a essa população, que, na
época, estimava os casos em oito mil. Em crescimento acelerado, esse índice
saltou para 12 mil em julho de 2017.
Panorama nacional
Pesquisa
publicada pelo Ipea, com base em dados de 2015, projetou que o Brasil tem pouco
mais de 100 mil pessoas em situação de rua. O Texto para Discussão Estimativa da População em Situação de Rua no
Brasil aponta que os grandes municípios abrigavam, naquele ano, a maior
parte dessa população. Das 101.854 pessoas em situação de rua, 40,1% estavam em
municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% habitavam municípios com
mais de 100 mil pessoas. Já nos municípios menores, com até 10 mil habitantes,
a porcentagem era de 6,63%.
Confira
mais registros do evento, clicando aqui: Fanpage da DPU/RJ - álbum de fotos
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