11 de julho de 2017

Evento reúne pessoas em situação de rua e defensores públicos de todo o País


O I Seminário Nacional de Defensoria Pública e População em Situação de Rua, promovido em 06 e 07 de julho pela Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro (DPU/RJ) e Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro (DPGE/RJ), reuniu defensores públicos federais e estaduais de todo o Brasil, pessoas em situação de rua e representantes do Estado e de movimentos da sociedade civil que atuam em defesa dos direitos deste grupo social. Participaram cerca de 300 pessoas só no primeiro dia, quando o evento foi sediado na DPU/RJ. No dia 07, as atividades transcorreram na sede da DPGE/RJ.


Os presentes tiveram oportunidade de assistir a palestras e participar de debates sobre temas como a experiência das defensorias públicas no atendimento às pessoas em situação de rua, além de conhecer ou obter mais informações a respeito de iniciativas já realizadas ou em andamento, como a Ronda de Direitos Humanos (Ronda RH). O projeto, criado em março de 2016, é voltado a acompanhar as abordagens feitas por agentes públicos e já ajudou a reduzir em mais de 60% as violações de direitos praticadas por agentes municipais e em mais de 70% por agentes estaduais. Para completar a programação, o público foi agraciado com encenação teatral temática e apresentação musical, aos cuidados do coral Uma Só Voz.


A mesa de abertura do evento foi composta pelo defensor público-geral federal Carlos Eduardo Barbosa Paz, o defensor público-geral do estado do Rio de Janeiro André Luís Machado de Castro, o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef) Igor Roberto Albuquerque Roque, o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) Antonio José Maffezoli Leite, a coordenadora-geral de Serviços Especializados à Família e Indivíduos da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) Ana Luísa Coelho Moreira e o coordenador do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) Samuel Rodrigues.


Na parte da tarde, compuseram a mesa: o coordenador-geral de Direitos da População em Situação de Rua da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Carlos Alberto Ricardo Júnior, a coordenadora do MNPR Maria Lucia Santos Pereira e os defensores públicos Nara de Souza Rivitti (DPU/SP), Carlos Weis (DPE/SP), Renan Vinícius Sotto Mayor (DPU/RJ) e Carla Beatriz Nunes Maia (DPE/RJ), os dois últimos à frente da organização do evento.

“O caminho é não só de receber, mas também de buscar.”


Para o defensor público-geral federal Carlos Paz, “o Estado brasileiro, já há muito tempo, queria e deveria estar atento às populações mais vulneráveis, especialmente à população em situação de rua. Se é que existia uma porta, essa porta não era muito visível ou estava semicerrada. A gente entende, como Defensoria Pública, que isso é uma prioridade e é como tal que essa gestão da DPU a trata ao fixar diretrizes e uma politica de atendimento, não diferenciada, mas adequada às populações que precisam do nosso serviço. Foi por isso que essa administração entendeu de fixar novo conceito e nova cultura de recepção, de atendimento e de trato destas demandas que envolvem essa população, que já é tão vulnerabilizada, que já não tem teto, que já não tem segurança alimentar, que sofre diariamente violações dos seus direitos mais básicos, que não tem, muitas vezes, sequer o direito de acessar equipamentos públicos porque lhe falta os requisitos, ditos, da vida civil; ou seja, fogem de um conceito, de uma convenção social de normalidade, de pressuposto de que o cidadão está pronto para acessar o serviço público. Muitas vezes, essa população chega até nós sem qualquer destes requisitos e é dever nosso apoiá-la, desde o seu entendimento sobre aquela necessidade quanto ao alcance da sua pretensão. É Defensoria sendo Defensoria; Defensoria existindo para quem mais dela precisa e nem sabe que dela precisa. Então, o caminho é não só de receber, mas também de buscar”, disse o defensor.

Segundo Paz, “um seminário como este traz justamente a possibilidade de capacitação transdisciplinar e horizontalizada, onde defensores e outros operadores do sistema de justiça, bem como instituições públicas e do terceiro setor e, em especial, os componentes do movimento da população em situação de rua conseguem juntos e de mãos dadas firmar um caminho seguro, humano e compreensível em prol das lutas e das necessidades mais básicas que essas pessoas têm”, afirmou o defensor, que completou: “Estamos muitos felizes que a Defensoria Pública da União tenha dado um passo formal, um passo relevante e histórico ao encontro dessa necessidade da população brasileira e que só cresce. Essa é a nossa preocupação: estar preparados, mesmo que ainda não definitivamente, mas preparados, para, se preciso for, ajudar, sendo procurada ou procurando essas pessoas”.

“O importante é que esse projeto se institucionalize, 
seja um compromisso cotidiano da instituição.”


No entender do defensor público-geral do estado do Rio de Janeiro André Castro, “o importante é que esse projeto se institucionalize e deixe de ser um projeto de algumas pessoas muito engajadas e muito sensibilizadas com a importância de atuar nessa área; que, além da iniciativa pessoal desses indivíduos, passe a ser realmente um projeto institucional, se consolide, se normatize, finque suas raízes e seja um compromisso cotidiano da instituição, para além das pessoas que as integram, mas das instituições em todos os estados, da União, das demais entidades, dos demais órgãos públicos, em dar uma atenção mais específica nessa área. Para a Defensoria Pública, se aprofundar nessa matéria é de grande importância”, afirma o defensor.

“Para muitos que estão aqui, isso talvez pareça óbvio, mas não é. A Defensoria Pública é uma instituição criada para prestar assistência jurídica integral e gratuita para todas as pessoas em situação de vulnerabilidade e a população de rua é, por excelência, um grupo de pessoas em situação de vulnerabilidade, mas a forma como a Defensoria Pública tradicionalmente foi desenhada e estruturada, muitas vezes, afasta o atendimento da Defensoria a essas pessoas”, diz Castro, que explica: “Mesmo dentro de uma repartição da Defensoria Pública, para entrar, você precisa estar trajado de determinada maneira; para se apresentar, você deve ter um documento de identidade ou um CPF; ou seja, você deve se enquadrar em uma série de requisitos que, para a população de rua, por ser uma das mais vulneráveis, é absolutamente impossível. Até mesmo o deslocamento até a Defensoria Pública é algo muito difícil ou quiçá impossível. Por tanto, nessa estrutura clássica que a Defensoria foi montada, para nós atendermos à população de rua, não basta só boa vontade ou voluntarismo. É preciso que – e isso é um compromisso de todos nós – a própria instituição seja mudada e transformada na forma de prestar esse atendimento, para que realmente possamos receber essa população e chegar até ela. A gente tem que ir até onde essa população está. Temos que sair das salas e dos gabinetes, procurar essas pessoas e ir ao seu encontro”, conclui o defensor.

“A Defensoria foi feita para essas pessoas. A Defensoria é casa do povo.”


O presidente da Anadef Igor Roque destaca que a Defensoria no Brasil é uma instituição nova, que ainda está em formação, o que ele percebe como uma vantagem muito grande, “pois, se está em formação, nós que estamos fazendo a Defensoria Pública temos o poder de fazê-la da maneira que achamos mais adequada”. Segundo o defensor, “a Defensoria Pública, de acordo com a nossa Constituição, é um instrumento, uma expressão do regime democrático, e democracia é participação popular, é inclusão, é transformação social e é isso que a Defensoria Pública faz e que precisa fazer. Precisamos colocar essas pessoas dentro da Defensoria Pública. A Defensoria foi feita para essas pessoas, para quem está numa situação de vulnerabilidade extrema, para quem está esquecido pelo Estado. A Defensoria Pública é o braço do Estado para fazer com que estas pessoas ingressem dentro de uma esfera social mínima que seja. Então, a Defensoria Pública tem esse papel. A Defensoria é casa do povo. A população em situação de rua tem que estar aqui diariamente, tem que dar o tom na Defensoria Pública da União”, afirma Roque.

“A Defensoria Pública é a principal porta de acesso à justiça e sabemos das dificuldades da população, de uma maneira geral, em ter acesso à justiça. Imagina essa população em situação de vulnerabilidade? Então, a Defensoria Pública, para conseguir concretizar esse acesso à justiça, precisa se adaptar a essa realidade. No âmbito da Defensoria Pública da União, isso foi instrumentalizado, através de uma portaria editada pelo defensor público-geral, na medida em que determina que o atendimento feito a essa população não precisa de agendamento nem fila, que vai se levar em consideração os locais indicados por eles, a documentação não vai ser exigida, como se faz com uma pessoa que não está nessa condição. Isso tudo porque queremos proporcionar essa inclusão social”, completa o defensor.

“A disponibilidade para participar deste tipo de evento é muito importante.”


O presidente da Anadep Antonio Leite também vê como vantagem o fato de a Defensoria Pública ser uma instituição relativamente nova na história do Brasil. Por ainda estar em crescimento, “permite essa porosidade para que a sua forma de atuação esteja em construção. Nessa construção, em varias áreas, mas principalmente no atendimento às pessoas em situação de rua, a participação e a disponibilidade para participar deste tipo de evento é muito importante, tanto das pessoas individualmente quanto dos movimentos e entidades. Tudo isso é essencial para que possamos ouvi-los, conhecer as suas necessidades e a forma como podemos prestar um serviço de melhor qualidade”, conclui Leite.

“Não se constrói política pública sozinho. Precisamos desta parceria.”


De acordo com a coordenadora da SNAS/MDS Ana Coelho, o Ministério do Desenvolvimento Social foi um dos primeiros a aproximar e a instituir ações, dentro da Política Pública da Assistência Social, em relação à população em situação de rua. “Temos os serviços dos Centros Pops [Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua], serviço de acolhimento à população em situação de rua e, cada vez mais, temos tido a aproximação desta pauta e efetividade na tentativa de podermos trazer algumas soluções no âmbito da assistência social. Em termos do Ciamp [Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua] e da moradia, temos trabalhado bastante para aproximar todas essas políticas, na medida em que percebemos a possibilidade e a efetividade desta integração das políticas públicas”, informou a coordenadora. “Por isso mesmo, parabenizamos a iniciativa deste evento da Defensoria Pública, nossa parceira, uma vez que não se constrói política pública sozinho e precisamos desta parceria, de todos juntos focados em um interesse comum de desenvolvimento social da população em situação de rua”, completou Ana Coelho.

“É a parceira entre quem tem o direito violado e quem luta contra a violação de direitos.”


Para o coordenador do MNPR Samuel Rodrigues, “é muito rica essa história da atuação da Defensoria Pública junto à população em situação de rua. É a história da parceira de quem tem o direito violado e a de quem luta contra a violação de direitos. Por isso, é essencial transformar as referências, transformar o defensor parceiro, o defensor “bonzinho”, transformar a militância do defensor em algo institucionalizado. Eles vão passar, mas isso vai ficar como regra e normativa da instituição. Isso é caro, rico e muito bem-vindo pela população de rua e nos interessa muito. Por isso, viemos dar as mãos a esse projeto. O nosso movimento acompanha e quer participar disto”, conclui.


“A gente espera que o trabalho da Defensoria com população de rua se institucionalize.”

À frente da organização do evento, a defensora pública estadual Carla Beatriz e o defensor público federal Renan Vinícius destacaram suas impressões sobre a realização deste Seminário. Carla fez questão de agradecer ao defensor Renan, “que foi o grande idealizador da maior parte da organização” e colocou suas expectativas. “O que a gente espera, enquanto Defensoria, é que o trabalho da Defensoria com população de rua saia do voluntarismo, saia da pessoalidade e se institucionalize. Esta foi, inclusive, a fala de muitos aqui. E o que significa isso? Significa que a nossa Lei Complementar 80 coloca como uma das nossas atribuições principais a promoção dos Direitos Humanos. Além da Constituição, a nossa Lei é clara. Então, o principal destinatário desse segmento jurídico, Direitos Humanos, são os vulneráveis. A população em situação de rua é um dos grupos mais vulneráveis entre os vulneráveis. Então, o que a gente espera é que os colegas entendam essa nossa atribuição, essa nossa função, e priorizem, a partir de agora, um pouco mais essa população”, disse a defensora.

“A Defensoria tem que ter uma visão mais proativa pra poder alcançar este público.”

De acordo com Renan, “este evento foi fundamental e histórico para consolidar o atendimento à população em situação de rua enquanto prática institucional”. Na opinião do defensor federal, “a Defensoria Pública deve ter como prioridade prestar assistência jurídica integral às pessoas em situação de rua porque, se a missão constitucional da Instituição é defender os mais necessitados e vulneráveis, o grupo mais vulnerável é justamente o das pessoas em situação de rua”. Renan ressalta que “esta população está acostumada a ter seus direitos violados e tem dificuldades para ver a Defensoria enquanto possibilidade. A Defensoria tem que mudar e ter uma visão mais proativa para poder alcançar este público”, conclui o defensor.


População em situação de rua no Rio de Janeiro

Uma pesquisa encomendada, em 2015, pela Prefeitura do Rio de Janeiro contabilizou 5.800 pessoas em situação de rua no município. O número foi contestado pelas instituições integrantes da rede de atendimento a essa população, que, na época, estimava os casos em oito mil. Em crescimento acelerado, esse índice saltou para 12 mil em julho de 2017.

Panorama nacional

Pesquisa publicada pelo Ipea, com base em dados de 2015, projetou que o Brasil tem pouco mais de 100 mil pessoas em situação de rua. O Texto para Discussão Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil aponta que os grandes municípios abrigavam, naquele ano, a maior parte dessa população. Das 101.854 pessoas em situação de rua, 40,1% estavam em municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% habitavam municípios com mais de 100 mil pessoas. Já nos municípios menores, com até 10 mil habitantes, a porcentagem era de 6,63%.

Confira mais registros do evento, clicando aqui: Fanpage da DPU/RJ - álbum de fotos

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